28.5.09

Ana IV

- àquela que não tem direção voltou (ou foi)

Tudo que Ana sabia era a quantidade da sua ignorância. Ana era barroca. Tinha a face barroca esculpida na cara. Era alta, fria, magra, o cabelo curto absolutamente preto na altura dos olhos, e mentirosa porque nem ela mesma sabia da verdade. Se a perguntassem o que estaria olhando renponderia: - as coisas, se tentatesse maior precisão haveria de confundir a si mesma, e quem perguntou teria ganho a resposta e a palavra de definição que aprisionaria Ana para sempre em lâmpada mágica ou em seu verdadeiro nome demoníaco cuja menção a subjulgaria para sempre. Ana vivia no exato mundo para o qual não fora feita. Pagava o preço de ser auto didata reaprendendo tantas vezes a mesma coisa. Ana sofria de presságios bons e maus e precisava seguidas vezes repensar a si mesma para decidir entre alegrar e entristecer. Nessas horas místicas sua religião era a superstição já que era a única na qual Ana poderia ser profeta, e Ana o era. Ana sempre começava do começo mas irreconhecia e poderia ser tudo ao contrário. Quando tentava explicar o meio se perdia na incógnita que era a transposição das coisas: Ana não sabia dizer os caminhos que tomara. Ana era incapaz de se aprofundar muito nas conclusões pois quando atingia certa profundidade todas as profundidades se confundiam e perdia o fio do que era mesmo. Ou Ana era demais superficial ou era profunda demais. Ana perdia a firmeza das mãos quando não sabia como reagir diante do que queria. Ana talvez quisesse só a possibilidade e quando alcançava lhe faltava a impossibilidade. Mas antes carecia da capacidade fundamental de transmutação. Ana previa o começo e o fim. Ana era um resumo da relevância de todas as coisas mas algo lhe faltava no conflito necessário das nuâncias que evitavam justamente uma coisa de ser a outra.
Espantava Ana a lucidez que era pensar num só dia, destituído de tempo, e ao mesmo tempo o dia era exato e era um símbolo. Um dia não poderia ser mensurado do modo como se medem horas, minutos. Um dia começava depois do começo e terminava antes do fim. Mas então qual era a novidade e o que escapava do habitual? Era o modo como Ana no mesmo dia podia admirar a passagem do tempo e noutra hora esperava a eternidade passar como quem espera sentado. E sentada via as coisas paradas que fatalmente envelheciam e não poderia corresponder àquilo com um sentimento de si mesma pois era incessante o seu observar de modo que não morreria nunca. Sua idéia de morrer seria então um desconhecimento, um esquecimento de tudo que não tinha idéia de como seria estar morta e desconhecer o próprio estado de morte. Já viva não podia perceber o que dentro de si mesma reconhecia o mundo, era algo que espreitava por detrás da própria Ana através do seu olhar oblíquo que ela somente poderia alvejar a própria consciência olhando para dentro e deixando as coisas turvas até inexistirem senão dentro dela mesma, e poderia aí então sentir o que era. Pensar na morte era impossível, pois se pensar na vida já era olhar para dentro, pensar na morte não poderia ser olhar para fora, nem ao menos para lugar nenhum se não houvesse quem olhar. Mas Ana nem sabia se viva, Deus!, se mesmo viva haveria quem pular amarelinhas na escola em meio ao alvoroço do recreio suado, se não ela mesma, ela que vendo enxergava com os próprios olhos. Se mesmo viva não seria ela mesma a força corruptora, suicída e vil do mundo que a milênios move o patriarca e o pebleu sob as mesmas ordens universais, comandos que por serem de máquina funcionam impiedasomente a subjulgar qualquer impulso humanitário ou egoísta. A maquinez era a natureza. De que outro modo se justificaria a engrenagem de dentes eternamente esculpidos contra os outros? E Ana precisava tanto justificar, pois achava que se não justificasse estaria alheia à ciranda. Mesmo nunca tendo se livrado da solidão ansiosa que tornara sua felicidade tão doída, pois tomando sua vida como movimento de compreender nunca chegara ao fim de uma só volta em torno da compreensão, sempre incumbida pela ordem suprema natural a uma compreensão superior em intermináveis vislumbramentos que se perdiam em sua própria engrenagem à parte, movida pelo fulgor do mundo o qual tentava forjar provas, confirmadas em escapes esfumaçados e poluídos dessa realidade verdadeira que achava não era a sua. Ou se era, Ana poderia concluir que sua realidade não era a mesquinha, pois a mesquinhez estaria no fato da realidade ser um recorte da sua verdade. E se fosse o contrário e todo o movimento vivo, confirmado pelos olhos dos outros seres que compartilhavam a realidade, Ana saberia que era ínfima parte, e saberia a quem entregar suas provas: ao deus criado!

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