26.5.05

Maria I



Este é o beta do primeiro conto de dois (ou mais, quem sabe) sobre Maria. Eu havia escrito em prosa, mas ao digitar, sei lá, achei que ia ficar legal em verso... quem sabe um quadrinho...

Era uma vez Maria
Maria era triste e não sabia
Morava no final do corredor do sexto andar
Tinha um andar de quase Dona Maria
Mas maria nenhuma ousaria falar

Todo dia pelo elevador descia
Apertava o P, que imaginara ser de patamar
Tal vez procurou no dicionário o que seria patamar
quando soube a resposta teve quase fratura exposta
Gostava de mangarosa e de cantar

Quando lá embaixo chegava ia embora pra escola
Conversava na aula de biologia que não tinha
Dizia que não acreditava em anjo e em anja
Tinha sede toda hora enquanto era verão no Brasil
pois quando escreve agora já é mês de abril
Maria que quando comia chocolate sorria
já quis ser atriz pornô por um dia

No fim ou no meio do dia voltava pra sua casa
Comprava um vinho para antes de dormir cantar e encher a cara
Quando chegava no térreo andar de sua moradia
quase por instinto o botão do elevador apertava
para viajar pra tão alto que Jesus ou senhor se espantava
Esperava quietamente sua vez no elevador chegar
e sempre previa que no sexto andar antes o elevador estava
Se chegava nele entrava já sorrindo toda a cara

Alguém um dia dissera a Maria que dar-lhe-ia uma câmera
achando que Maria não era vaidosa o suficiente para fotografar a si mesma, nua lesma
Assim nesse vai e vem nas fotos do elevador e da janela
Maria percebeu que antes o elevador poderia ter estado em qualquer andar
Vertigem:

é levado
ele vá - dor
leva' dor
elevador.

Maria sabia do mesclado do tempo entre o passado e o futuro
tentava viver a mescla do presente roubado
Sabia apenas a diferença entre passado e futuro,
mas eram como muros irmãos gomados:
davam as mãos numa comunhão do absurdo
Maria nunca ficava em cima do muro,
senão, tudo que lhe é de mais terno, como fumaça, lhe seria tirado
Vertigem:

é ter no
terno
éter: no
eterno
terno.

Ninguém poderia dizer uma significância de Maria,
nem ela - o que pioraria sua cabeça:
os asvisões voavam na terresa do chão em volta dela
que por causa das cousas jogadas parecia mais mundos da cidade em aquarela
Tinha sempre um 747 à espreita
Vertigem:

a passa do
passado
passa do
assado
"a" passado.

O tratado de Maria com o mundo se tornava as vezes um tratado de ampelologia tintada de ressacas:
se assim era assim deveria ser para Maria
Uma das coisas mais rápidas do mundo são dez minutos
As de ouros e As de copas invertem o jogo:
uma revolução sonâmbula estava prestes a acontecer no tampo do tempo e derivados

Quando Maria voltava para casa ia como uma caixeira viajante.
Ser.
Ela não queria que Letras tirasse sua poesia
Como a religião é também uma poesia ela não queria que sua não-religião fosse substituída
Quantas vezes Maria já não quisera abrir tal caixa,
ver o que havia dentro e passar para a próxima caixa
Maria empacava nas retas paralelas de um horizonte definido pelo concreto:
todo conceito já é prematuramente preconceito
A revolução vem lentamente como uma onda que bate devagar, aos poucos
Quando se percebe é já
Ou sou, pensava Maria com uma relutância desnecessária mas tão intríscica que não se pode desarmar,
pois há o risco de cortar uma artéria e seria morte e não orgia

Agora, o fato novo do elevador ter em cima da porta, de entrada e de saída,
um marcador de andares que apontava onde o elevador estava, inclusive antes de Maria chamá-lo
foi quase místico
Surpresa e assustada, como um feto sem saber que nasceria, ricocheteava no seu pessimismo de antes
de torre que ruiria
E então a explosão aconteceu na aproximação de duas entidades que se opõem
e há, como não deixaria de haver, um pacto secreto de atração

Apesar de Maria ter antes concluído que o elevador não haveria de estar necessariamente no andar em que morava antes de chamá-lo ao "patamar",
não foi uma conclusão
Apesar de chocar-se com todas as probabilidades que apontavam para ela como os dedos de deus,
o fato é que o elevador sempre estava mesmo, como pudera notar através do marcador, no andar em que morava

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23.5.05



A bienal rendeu vários textos irados... acho que fiquei 99% do tempo vendo quadrinhos no estande da devir...

"A morte está diante de mim hoje: Como a recuperação de um homem doente, como ir para um jardim após a doença.
A morte está diante de mim hoje: como o odor de mirra, como sentar-se sob uma vela num bom vento.
A morte está diante de mim hoje: como o curso de um rio, como a volta de um homem da galera para sua casa.
A morte está diante de mim hoje: como o lar que um homem anseia por ver, após anos passados como um cativo."


- Sandman

* Esse texto foi escrito por um poeta por volta de 2500 ac e é a mais antiga referência ao suicídio registrada.