28.10.05


Eu não dormi porque esqueci que horas são
Não comi porque não sei se estava na hora
E nem morria porque podia ser tarde demais
E podia, ainda, ser cedo demais

Mas se fosse a hora eu saberia, saberia sim
Se fosse a hora da vida, Deus avisaria

E por muito tempo eu fiquei sem nascer
Até que, enfim, ninguém avisou e eu nasci
E prova-se que: se acontece, é ciclo

Ciclo - Via do destino
Mas não acredito pois ainda não chegou a hora
De acreditar no destino

E a hora de começar poderia ser
Poderia badalar e eu sentiria estremecer
Me jogaria da cadeira fingindo cair
E, ao chão, seria hora de me levantar

24.10.05

Depois do começo


Vamos deixar as janelas abertas
Deixar o equilíbrio ir embora
Cair como um saxofone na calçada
Amarrar um fio de cobre no pescoço

Acender um intervalo pelo filtro
Usar um extintor como lençol
Jogar pólo-aquático na cama
Ficar deslizando pelo teto

Da nossa casa cega e medieval
Cantar canções em línguas estranhas
Retalhar as cortinas desarmadas
Com a faca surda que a fé sujou

Desarmar os brinquedos indecentes
E a indecência pura dos retratos no salão
Vamos beber livros e mastigar tapetes
Catar pontas de cigarro nas paredes

Abrir a geladeira e deixar o vento sair
Cuspir um dia qualquer no futuro
De quem já desapareceu

Deus, Deus, somos todos ateus
Vamos cortar os cabelos do príncipe
E entregá-los a um Deus plebeu

E depois do começo
O que vier vai começar a ser o fim.



Achei isso aí perdido no passado.

23.10.05


Então olha! Eu não vou contar uma história como se fosse mera coincidência. Então olha, e conto essa história como se fosse história.
A alma de um homem é uma possibilidade que nunca poderia ter acontecido. É uma perfeição, um super-homem como diria Zaratustra. Alma aprisionada dentro de uma mortalidade particular. Uma corda bamba tremendo enquanto a vida passa por cima. Uma corda bamba que faz de tudo para equilibrar o equilibrista, ainda que o mais ágil. Porque se ele tomba, a corda morre de sentido pois deixa de ser bamba. A reza do padre no enterro seria assim: uma corda não começa, não termina, uma corda liga.
Um momento, por favor, enquanto as coisas acontecem. Então tudo tende a um equilíbrio. É assim: quando o momento que pedi acabar, o tempo que virá depois se espremerá entre a eternidade e agora, para caber na existência. Assim, o que virá passsará mais rápido para compensar quando estava parado.
Não vá se lamentando prematuramente. Não vá trapassear para, no fim, ter menos do que ainda não se arrependeu. E quando chegar a sua vez levante a mão bem alto para todos saberem que é você. E vá entrando na nave espacial, sem hesitar, para não ser alvo de críticas destrutivas. E para inspirar aqueles que aguardam, sentados defronte para o palco, a saber que é um caminho tão correto quanto a escolha de seguí-lo. E sobre os créditos da escolha não chegarão a questionar, pois esquecerão tão rápido quanto se deve esquecer.

18.10.05

Enfim, otimismo


O mundo desabava como se fosse pela primeira vez.
O mundo acabava aos poucos, e era tudo que percebia. Como se perceber fosse uma razão que tanto procurava. Perceber era só saber, só dor, e nada mais. E como masoquista desencaminhado se aventurava em viver. Aventurava pois depois de muito tempo e de muitas vezes era um conselho que se sugeria como sol vacilante que ainda sim nasce e se cumpre. E ao se cumprir um conselho, não há dúvidas. Era melhor ter que se aventurar do que adiar a bifurcação. E era isso que sempre fazia: analisava sem aventurar-se: adiava. E não era. Então pusera o tempo a passar e o mundo caía, rápido demais. E não haveria como ter o espasmo de tudo. Porque cair é muito rápido e acelerado. E sem saber dessa qualidade das coisas de cair, não pudera. Quando apenas observava não previa o furto das coisas sem que ainda as tivesse. Foi uma bifurcação enorme, e literal. Depois se seguiram muitas outras enormes e literais, mas nunca de caminhos opostos.
Enfim, otimismo.

11.10.05


Passei muito tempo escolhendo o toque do cespertador do celular
Eu passei metade da minha vida pensando o quê antes da morte diria
E a outra metade respirando que nem uma criança
Eu gastei o tempo que eu tinha antes de encontrar uma pessoa procurando-a
E o resto do tempo que sobrou eu estava preso num ônibus lotado que não chegava
E chega uma hora em que não há mais volta
Chega uma hora em que a ferida de viver cicatriza e a surpresa deixa de latejar
E não há modo sequer de cometer suicídio
O mundo passa a existir de uma maneira que nunca existira antes
As coisas endurecem com o tempo como cimento
E sabe, mesmo que nunca se drogue pode não ser careta
E tudo pode ser arte, até o toque de um celular

6.10.05

Paródia I


Um segredo para se chegar aonde não for um destino é saber quando deixar o tempo te levar e quando deixar o tempo te puxar.
No mar, sendo ele todo futuro, o destino é a linha do horizonte, formada de infinitos pontos no espaço. Cada um com seu próprio motivo para aderir à possibilidade.
Os eventos temporais são tão inconstantes quanto ondas nesse mar... nesse marzão. E cada espuma é o sinal da fragilidade de uma escolha. A espuma anuncia que mais uma onda haverá de vir ao encontro do espasmo - surpresa, alegria e tristeza - pois o mar não acaba, mas o amor sim. Quando se procura aquela pedra para sentar-se só restou a areia. E sendo familiar demais a areia gruda na pele e, sentado no chão, o mar te acerta. Como se fosse este um acerto crítico a água dribla a existência, mas não há de se afogar porque viver é preciso. E enquanto houver água comemorando o corpo a areia grudada estará sendo levada para onde um grão se perde do outro até tornar-se em areia nenhuma, em lugar nenhum. Só se sabe, bem no fundo, que a areia existe.
Mas essa água que lava é salgada e não importa se passou um só momento ou todo um dia em banho nela: quando sair do mar o peso do sal melado no corpo será sempre de tal valor. E se for tentado a lamber o sal na própria pele saberá que tem o gosto de todos arrependimentos por algo que deixou de arriscar.
Quando o sol, que fora todo o motivo para se estar na praia, tocar então a linha do horizonte e aos poucos derreter-se ma água, o único consolo adimissível é o fato do sol estar a clarear uma possível margem oposta. uma praia, com certeza igualzinha a esta. O sol refletindo na água de ondas baixas naquele amanhecer será como todas as estrelas da noite reencarnado momentaneamente em cor de sol. E será um presente que não se sabe presentear, por timidez, para quem se banha naquela praia. Para o verdadeiro amor que lá está escondido e liberto, a se banhar.

2.10.05


Ninguém antes avisou que seria de tal forma
vamos lá! Do que eu tô falando usando tantas vezes da primeira pessoa?
Você, cujo pensamento já adimitiu, ainda não afirmou minha falta de profundidade
(é uma esperança)
Sua alma já abstraiu o possível do real e vomitou os clichês
Ninguém me avisou
E eu tô mesmo repetindo uma lamentação melosa
E também me importo com a falta do mais
Mas estava desavisado
Apenas disseram assim: prever é a aventura de poder ser
E prever é adiar a experiência - ah!, essa frase não está tão certa
Prefixos confundidos com nomes próprios
Eu não aguentaria ler até o fim
Mas você o faria em minha causa?
Ninguém nunca disse que seria tão assim
De tal forma e de certa maneira
Preciptando - o quê?

Fomos sortear na roleta para ver quem iria se render
No dia de hoje uma genialidade que evitasse seria atrevimento
Pior: seria não crer em algo que ainda não descobrimos, ou melhor, ainda não aconteceu
Por mais que - a frase certa está a seguir - sejamos, ainda sim somos
Tudo muito bonito e numa rima neoparnasiana protagonizada por figuas de linguagem transsexuais
O erro todo é observar mais que participar; e não há sentido
Sinta e tudo se fará: se abençoará

Quase um bingo, sorteios
Um violão sem cordas, um mundo desfeito
O mais difícil em ser triste é saber que tudo o que existe existe ao mesmo tempo
O mais difícil em ser feliz é saber ser triste ao mesmo tempo
Que é pra esquecer ainda durante o jogo quais cartas eram marcadas
E retomar uma graça comum até um dia chegar a museu
Antes mesma de completa a pirâmide, mas era mesmo só para uns mortos abrigar
A graça sutil é o tamanho desses tijolos
Somos uma ponte toda marcada de amarelinhas e ladrilhada de ladrilhos sobrepostos
Para não se esquecer e para a causa do moderno: espelhos sobrepostos refletindo um peso que nenhum quer pesar: o de ser testemunha sem julgamento

Leve contigo seus documentos, são para os outros
Leve uns CDs, a chave de casa - lógico
Leve o mais leve que puder antes de partir
E partido, tente ser você mesmo
Aproxime seus pedaços e a gravidade os fará se juntar
Assim deveria de ser
Sejamos gratos a Volta para finalizar

Fumaça na água
e fogo no céu
e tudo o mais
somos ainda do mesmo
desfaz
solitude próspera
devaneio
uma tribo composta
humanidade demais
demais